terça-feira, 2 de novembro de 2021

Meus personagens gays da TV aberta

           Tava assistindo no Globo Play um documentário sobre a história dos gays na TV brasileira e isso me fez lembrar de como a TV foi importante na minha vida já que em casa sexo era assunto inexistente, homossexualidade nunca essa palavra foi tocada dentro de casa. Também não conhecia nenhum gay na família ou amigo. Os personagens gays da tv que eu lembro e fizeram parte da minha vida são esses:


VERA VERÃO

          Na minha lembrança é o primeiro gay da tv me recordo assistindo. E não era um gay qualquer, era um gay negro, afeminado e sim: empoderado. Vera Verão era um personagem do ator Jorge Lafond e participava da praça é nossa, esse ano já faz 18 anos que ele morreu, mas lembro com muita clareza seu rosto e sua voz. O personagem fazia parte da Praça É Nossa e toda semana estava lá batendo cartão, chamava o Carlos Alberto de Charles Albert e nunca, nunca baixou a cabeça pra ninguém. Sempre que algum outro personagem o chamava de Bicha ele fazia um escândalo e gritava "êêêêêêêêpaaaaaa, bicha não, eu sou um aquase mulher". Eu curtia o personagem quando era adolescente e hoje com certeza revejo os vídeos curto mais ainda.



SANDRINHO E JEFFERSON

          Em 1995, no meio de um monte de assassinatos na novela A Próxima Vítima surgiu o casal Sandro e Jefferson. Eu tinha 12 anos de idade, não sabia que era gay ainda, mas sabia que tinha alguma coisa diferente comigo que era a atração por meninos. Na igreja eu me matava de orar, jejuar, fazer campanhas. Nessa época eu tb não tinha começado a me masturbar, apenas apreciar os mooleques da minha sala com outros olhos. Silvio de Abreu, o autor da novela, teve uma sacada bem legal pra não chocar a "tradicional família brasileira", primeiro ele apresentou os dois por muitos capítulos, mostrou as qualidades, eram bons filhos, bons amigos, eram "discretos" e somente no meio da novela (no meio do caos de nego morrendo envolvendo um Horóscopo Chinês) ele mostrou que os dois eram gays e mantinha um relacionamento às escondidas. O público como já era apaixonado por eles recebeu ambos bem. Porém lembro até hoje nos jornais mostrando que o André Gonçalves (que fazia o Sandro) ter sido agredido por fazer um gay na novela. O outro ator que fazia o Jefferson era o Lui Mendes. A forma que cada familiar descobriu a sexualidade deles também foi interessante, enquanto Ana (Suzana Vieira) mãe de Sandrinho o recebeu muito bem. Já Jefferson sofreu pra ser aceito por sua mãe e seu irmão mais velho. É um casal que eu guardo com muito carinho, pois foi a primeira vez que vi na TV gays com um dia a dia normal.


SARITA

          Após o fim de A Próxima Vítima em 1995 a Globo apresentou Explode Coração, a novela era uma delícia de assistir onde conhecemos a cultura Cigana e entre os personagens estava Sarita representada pelo ator Floriano Peixoto. Glória Perez, que era a autora da novela, nunca deixou claro o que Sarita era: hétero, gay, bi, travesti, transsexual (nem existia esse nome na época, que eu me lembre). Uma entrevista do ator na época ele disse que a ideia era viver o limite entre o homem e uma mulher. Hoje assistindo está claro que ela era transexual pois várias vezes ela dizia que havia nascido em corpo errado. Sarita está aqui na minha lista de personagens porque foi a primeira vez que eu vi na tv uma "travesti" com um dia a dia normal, sem que fosse o palhaço de circo pra fazer as pessoas rirem. Eu com 12 anos na época só conhecia e via de longe os travestis quando passava de carro com meus pais ou tios pelo Joquei Clube e lá estavam elas se prostituindo e muitas com os pênis pra fora se masturbando. Sarita queria ser mãe, tinha traços masculinos apesar dos longos cabelos grandes e colocava os homofóbicos da novela no lugar deles, por ser alta metia a porrada em quem a destratasse. Sempre que me deparou com alguma mulher com o nome Sarita minha mente já vai pra 1995 e lembro desse personagem que chamou atenção na época.


CINTURA FINA

          Em 1998 fomos presenteados com a minissérie Hilda Furacão que contava a história da moça rica que na década de 50 abandonou o futuro marido no altar e foi viver na zona de prostituição de Belo Horizonte e viveu uma linda história de amor com um padre (a história é linda). Nessa zona de prostituição Hilda Furacão faz amizade com as demais prostitutas e com a travesti Cintura Fina (interpretado por Matheus Nachtergaele). O personagem que foi adaptado para a tv existiu na vida real, era pobre e se prostituía na Rua Guaicurus, a zona boêmia da capital mineira. Cintura Fina além de ter pavio curto tinha uma afiada navalha que usava pra se defender e defender as amigas prostitutas. Na minissérie ele era muito amigo de Hilda chegando a defender a rica amiga algumas vezes. Empoderado nunca baixou a cabeça pra ninguém, chegando inclusive a ser preso por isso. Clicando AQUI tem uma reportagem sobre o verdadeiro Cintura Fina.

 



JUNIOR E ZECA

          Eu sempre fui fã das novelas da Glória Perez e em 2005 com América não foi diferente, a novela falava sobre realizar sonhos, viajar pra fora do país e o mundo dos rodeios. No clã dos rodeios tinha uma viúva gente boa mas bem tradicional chamada Neuta que tinha um único filho chamado Junior, gay enrustido, que foi criado para ser um grande fazendeiro e um homem valente como o falecido pai. Junior passou anos fora estudando na cidade e ao voltar não se interessa nenhum pouco pelas atividades rurais, ele gostaria mesmo é de ser estilista, porém não consegue dizer isso à mãe. Para enganar e ser aceito pela mãe ele finge ser o pai do filho que a amiga confidente está esperando. A novela ocorre mil coisas, a amiga dele vai embora e deixa o filho pra ele criar. Jr começa a namorar uma menina mas sem vontade nenhuma. Até que Neuta contrata o peão Zeca para cuidar dos bois da fazenda. Ambos vão se apaixonando ao pouco, Neuta desconfia da paixão do filho pelo peão e o demite, então Junior assume que é gay e está apaixonado por Zeca. No final os dois ficam juntos. E teve muita polêmica nessa novela sobre a Globo passar ou não passar o beijo entre eles, a cena chegou a ser gravada 7 vezes. Era um casal fofo.



BENNY
          Em 2008 a Globo apresenta uma das minisséries mais sensíveis e uma das minhas preferidas: Queridos Amigos. A história começa com o personagem Léo descobrindo que tem pouco tempo de vida e ele faz um reencontro dos seus 12 amigos, a história se passa em 1989 e eles fazem um balanço das utopias, do que eles queriam ser e quem se tornaram no decorrer da vida. Entre os amigos de Léo está Benny, um gay rico, afeminado, que sempre ajudou os amigos porém é arrogante, perturbador e provocador. Os demais amigos sempre questionam Léo por que ele ainda tem amizade com Benny já que ele é tão grotesco e fala coisas desnecessárias que machucam todos. Benny é o gay necessário que fala verdades que doem não só para os personagens como para nós que estamos em casa. Léo sabe que as agressões de Benny na verdade é um pedido de socorro. Só em escrever sobre o personagem deu vontade de rever o seriado, é uma reflexão gostosa pra se fazer sobre quem eramos e quem somos. Sem contar a trilha sonora e a fotografia da cidade de São Paulo que é um show a parte. Ah, Benny é apaixonado pelo amigo hétero Pedro que não tá nem ai pra ele).


FÉLIX

          Esse personagem foi da novela Amor a Vida e era representado pelo Mateus Solano que mandou muito bem na atuação. Félix era pra ser o vilão da novela e cometeu alguns crimes abomináveis como sequestrar e abandonar a sobrinha na lata de lixo ainda bebê, mas o personagem e o ator tinham tanto carisma que ele se tornou o protagonista e o mais querido da novela. Ele era um gay/bi afeminado que vivia no armário chegando a se casar e ter um filho com a ex esposa Edite. O personagem era muito engraçado, tinha fortes trejeitos, chamava seu pai homofóbico de "Papi", sua mãe, muito bem interpretada pela Suzana Vieira ele a chamava de "Mami Poderosa". No decorrer da novela ao descobrirem suas maldades ele é expulso de casa e na rua é obrigado a vender hotdog com a ala cômica da novela, ele vendendo cachorro quente na rua era um show a parte. Na novela havia o casal gay Niko e Eron que queriam ser pai a todo custo, chegaram a tentar barriga de aluguel. Eron trai Niko. Félix começa a pagar pelos crimes que cometeu e nessa caminhada conhece Niko, muito bem interpretado por um dos atores mais lindos do Brasil (Thiago Fragoso). No final da novela, dia 31 de janeiro de 2014, ocorre o primeiro beijo gay na televisão: Niko e Felix se beijam. Os dois acabam juntos e formaram uma família linda. Tem três coisas dessa novela que me marcaram: nela eu vi que eu não era tão discreto quanto eu pensava: Félix tinha uma característica de ficar passando o dedo na sobrancelha e eu tb tinha (hoje tenho bem menos) essa mania de ficar passando o dedo na sobrancelha, nem é pra arrumar a sobrancelha, sei lá por que dessa mania, mas eu raxava de rir vendo ele fazendo isso pois me via ali. Outra coisa que eu achava bem legal era que o Pelotão da Companhia que eu trabalhava na PM assistia a novela e os kras amavam o Félix, e curtiam o personagem, a história, entre uma ocorrência e outra a gente tava falando do Félix, eu não era assumido naquela época, sinto que se eu fosse seria mais legal ainda. E por fim, lá por 2013 eu namorava uma mina e o irmão dela tinha uns 17 anos e era muito parecido com o Félix, ele não era assumido pra família mas tinha as características físicas (branquinho, magrelo, alto, cabelos bem pretos) e na época eu nem reparei mas hoje vejo que ele dava em cima de mim, ainda bem que na época eu não percebi porque não sei se conseguiria dizer não ás investidas. 

       


MARCASSA

          Em 2013 a Globo passou a série de humor Pé na Cova escrita por Miguel Falabela, contava a história de uma família e vizinhos no bairro do Irajá no RJ. O seriado era bem escrachado e todos os personagens nada convencionais, série que parecia bobinha mas era gostosa pra relaxar e quem assistia com atenção percebia reflexões na forma sarcástica que eram apresentada a vida daquelas pessoas. Marcão era um negro alto, gostoso e mecânico durante o dia e a noite se se montava todo, mudava a voz e se transformava na doce Marcassa, que fazia ponto pelas ruas do Irajá. Era um barato ver o contraste dele de dia com ele a noite. O personagem nem teve tanto sucesso na mídia mas com certeza era muito querido a quem assistia a série. Inclusive Sermancino, que foi adotado pela irmã de Marcassa, escreveu um redação linda pra escola que vou deixar abaixo:

Meu nome é Sermancino dos Santos, sou carioca e tenho 11 anos. Não connheci o meu pai e minha mãe me deixou com uma tia que era louca. Acho que eu sofri tanto que um dia os anjos tiveram pena de mim e me der uma segunda chance na vida.  Eu ganhei um pai e uma mãe. Meu pai é mulher mas eu não tenho preconceito e além do mais ele é o melhor pai do mundo. Ganhei também um tio e uma tia de uma vez só, pensando bem,  ganhei dois tios e uma tia, porque  o tio Marcão vale por dois: tio Marcão e tia Marcassa. Não chega a ser um problema.

Minha mãe é linda e ganha muito dinheiro tirando dinheiro na internet agro ela não pode porque a barriga está muito grande mas assim que minha irmã nascer, ela volta para o trabalho. Minha avó esta internada por alcoolismo e meu avô é agente funerário.

Essa é a minha família. Talvez não seja uma família como as outras mas foi nessa família que eu aprendi o que é felicidade,  por isso, o que eu vou ser quando crescer não importa agora. Quando eu crescer eu vejo mas, com certeza, eu serei um homem feliz . 


LAURO E TOBIAS

Em 2016 na novela das seis Êta Mundo Bom conhecemos o alfaiate Lauro que era o amor platônico da viúva Emma. Nunca foi explicito que ele era gay mas nas entrelinhas o autor deixava isso transparecer na amizade dele com o médico Tobias. A confirmação veio no último capítulo de forma muito sutil e delicada quando Lauro não aceitar casar com a viúva e dirá a ela que "não é um homem como os outros" e ela muito sensata diz "eu entendo bem Lauro. É um amor que não ousa dizer o nome", isso porque a novela se passa na década de 40 e a palavra gay nem era pronunciada. Em seguida Lauro se encontra com Tobias e fala que não poderia viver uma mentira e Tobias diz "eu admiro sua coragem. Venha, vamos para casa. Vou lhe preparar um belo jantar" dando início ao romance. 

 

ANDRÉ E TOLENTINO

          Essa minissérie passou na Globo em 2016 e devido ao horário ter sido muito tarde eu não consegui acompanhar assistindo, mas acompanhei a história pela internet. Eu amo novelas de época e essa novela contava a história da filha de Tirandentes, Joaquina, e no meio da trama tinha André (vivido pelo gostoso do Caio Blat) homossexual, afeminado, rico e meio irmão e melhor amigo da protagonista. Ele se apaixonou por Tolentino (Ricardo Pereira, gostoso pra caralho tb), militar rude e fiel a coroa portuguesa. Os dois vivem uma história de amor totalmente no sigilo tendo em vista sodomia ser crime na época e a química entre os dois é de tirar o fôlego, uma delícia ambos os personagens juntos em cena. 

IVANA/NONATO  -  IVAN/ELISREGINA  

          Ivana é uma moça de família rica, filha de uma ex modelo que sempre tratou a filha como uma mini versão dela mesma. Ivana percebia que era diferente, apesar de ser apaixonada por um homem (Cláudio) ela percebia e se incomodava muito com seu corpo... Fomos descobrindo aos poucos no decorrer da novela que Ivana é um transsexual homem e nasceu em um corpo de mulher. Glória Perez foi tão foda na novela a Força do Querer em 2017 que nos apresentou um transsexual gay. Isso mostra que identificação do corpo não tem haver com orientação sexual. Ivan nasceu em um corpo de mulher, ele é homem e por ele se apaixonar e sentir atração por homens ele é gay (o que o diferencia de mim é que ele nasceu em um corpo feminino - mas ele gosta de macho assim como eu). É meio complicado mas de forma didática a novela nos fez compreender que essas pessoas existem.

          E muito legal que a novela ao mesmo tempo que mostrava Ivana se transformando em homem a gente via paralelamente a travesti Elis Miranda, que queria estar 24 horas como mulher mulher e era obrigado a se vestir de forma masculina e discreta para conseguir trabalhar como motorista particular de um VIP. 

          Eu sai do armário pra minha família no ano que a novela foi ao ar, me inspirei muito na cena que Ivana conta para a família quem é: "não vai ser fácil pra eu dizer, não vai ser fácil pra vocês ouvirem".