domingo, 12 de dezembro de 2021

Meu pai está com câncer

           Uma das coisas que percebi desde que me entendo por gay é que a maioria dos homossexuais se não tem nenhum conflito com o pai, tem um pai ausente. Eu faço parte dessa estatística. 

          Até meus 12 anos minha família era composta pelo meu pai, um irmão mais novo e minha mãe. Minha família veio de Pernambuco fazer a vida em SP e por aqui ficaram até hoje. Desde que me entendo por gente meu pai era uma pessoa que teve problemas com drogas e álcool. Quando eu tinha uns 12 anos meu pai começou a usar drogas com mais força ainda, chegou a se internar algumas vezes. Minha mãe trabalhava e ele ficava em casa na maior parte do tempo. Eu era criança mas já tinha noção que as coisas não estavam corretas. Nessa época tinha conflitos fortes com meu pai sobre ele chegar bêbado em casa, não trabalhar e minha mãe sempre bancar tudo. Minha mãe sempre foi apaixonada por ele e não tomava postura nenhuma. Eu mesmo sempre criança pedia pra ela se separar e jogava na cara dele, o que faziam os conflitos aumentarem e ele me bater e até me chutar caído no chão, na frente dos meus amigos o que senti muita vergonha na época.  

          Não lembro qual foi a gota d'água que fizeram eles se separarem, mas eles se separaram e uma das coisas que lembro foi minha mãe me falar "tá feliz agora? se o problema era ele agora não é mais". Achei pesado ela falar isso pra uma criança de 12 anos, mas ela disse e eu me senti aliviado quando ele foi embora. Depois disso, apesar de não morar mais com a gente, minha mãe e meu irmão nunca perderam o contato com ele. Ela nunca me disse mas acho que ela ficou continuando sendo esposa dele por muitos e muitos anos. Depois desse período eu não tinha nem 15 anos, ele chegou a arrombar a porta de casa uma vez com o traficante na porta pra pegar o vídeo cassete pra trocar por drogas. Meu ódio só aumentava. 

          O tempo passou. O ódio durou por muitos anos mas aos poucos esse ódio se tornou em desprezo. Como disse acima, minha mãe e meu irmão nunca perderam o conato com ele, mas eu perdi 100%. O via de vez em nunca quando ia visitar minha vó ou ia no trabalho da minha mãe e o via lá. Mas o tratava com toda educação e sempre pedia a "benção". Mas o clima nunca foi natural esses anos todos, sempre teve um clima desconfortável que eu sentia em estar perto dele.

          Essa semana minha mãe me falou que ele está com câncer no intestino e parece que está um pouco avançado. Fiquei triste com a notícia mesmo não o amando. Falando em amar não lembro de nunca ter amado meu pai. Se quando eu tinha menos de 10 anos a gente teve bons momentos juntos minha memória parece que apagou. Me sinto um pouco culpado também, será que nesses 26 anos eu não deveria tê-lo procurado e tentado uma reaproximação. Porém também sei que meu pai além do problema com álcool e drogas tinha um gênio difícil, tanto é que os irmãos, irmãs e minha vó sempre tiveram problema de convivência com ele a vida inteira também. Mesmo assim, sei lá, me sinto meio culpado de não ter tentado se aproximar dele quando ele estava bem. Meu irmão me ligou essa semana e disse que se eu tinha algo pra falar com ele o momento era agora, falei para meu irmão que não tinha nada pra falar. Claro que se ele quisesse falar comigo eu iria pra conversarmos. 

          Acho que o desejo que eu tive a vida toda de ser pai tem muito haver disso, pois sempre quis ter um pai que fosse meu amigo e me protegesse e foi justamente o contrário que aconteceu. Queria viver isso com um possível filho que eu pudesse ter, mas a vida me negou isso mesmo eu tentando diversas vezes. Hoje transfiro esse sentimento para meus sobrinhos. 

          É isso, nunca falei do meu pai aqui. Talvez eu tivesse mais pra escrever sobre essa atual situação mas não me sinto confortável ainda. Espero que ele fique bem, que não sofra e que Deus faça o melhor por ele.

                                                                   

          

5 comentários:

  1. Sinto muito pelo seu pai. Realmente há situações que ficamos com aquele sentimento de "e se" imaginando que de alguma forma pudéssemos criar um elo de afeto já que existe um elo de sangue. Digo isso por mim, que nunca fui amigo de meu pai e nunca houve amor, apenas respeito (na maior parte do tempo). E hoje, ele com Alzheimer, nem se parece o homem que foi um dia. E se hoje eu quisesse lhe desabafar algo, as palavras para ele caíriam no esquecimento.

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    1. não e fácil, mas ainda bem que apesar não haver amor sempre existiu respeito. abraço

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  2. Olá meu amigo! Sinta-se abraçado por se abrir um pouco e compartilhar seu relato de vida. Espero que seu pai siga sua trajetória da melhor maneira possível. Empatia e respeito são sentimentos raros hoje em dia. Que Deus te abençoe sempre.

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  3. tomara mano. Amém, que Deus te abençoe tb. grande abraço.

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  4. Eu acho que por esse motivo você não respondeu os e-mails.

    Meu pai saiu de casa quando eu tinha quatro anos. Desde então tivemos uma convivência distante. Piorou depois que ele se casou novamente e teve outro filho. Nunca foi um homem agressor, ignorante. Mas era muito infiel com a minha mãe. Chegou um ponto em que ela não suportou e pediu a separação.

    Por muito tempo (ainda, de vez em quando penso nisso) achei que isso tinha influenciado na minha sexualidade. Principalmente pelo fato de sentir atração por homens mais velhos, uma figura que eu não tive em casa.

    Não sei o que sinto do meu pai, é uma indiferença grande. Não sinto falta dele, mas de ter um pai, um homem como exemplo próximo.

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