domingo, 23 de abril de 2017

Entrevista Com um Rapaz Soropositivo

     Lucas tem 23 anos, há 3 é soropositivo, pegou da maneira mais covarde e criminosa possível: um rapaz passou pra ele de propósito com uma camisinha furada. Bati um papo com ele, segue abaixo nossa conversa:


Danilo: Você mora com seus pais?

Lucas: Não não. Com meu marido.

D: Que bacana, ele tem quantos anos e faz o que da vida?

L: Ele tem 25. É farmacêutico.

D: Quando você percebeu que sentia atração física por homem?

L: Parece besteira. Mais foi na pré-escola, tinha uns 7 anos.

D: (risos) Você lembra?

L: Aham, dei um selinho em um dos meninos que estudava comigo, éramos namoradinhos.

D: Mocidade moderna (risos). E você saiu do armário com que idade? Como que foi?

L: Na vdd nunca sai do armário. Eu meio que fui retirado dele. Tinha 14 anos e tinha começado a namorar um menino também de 14. Uma prima minha descobriu nosso namoro e falou para toda minha família.

D: Nossa, e como sua família agiu com a notícia?

L: Nada legal. Eu apanhei muito. Era como se eu fosse a pior das pragas do Egito.

D: E como foi sua relação com sua família depois de saber que você era gay, aprenderam a conviver?

L: Bom, primeiro eu fui parar no Seminário Diocesano Bom Pastor. Comecei a estudar para padre. Porque muitos achavam que seria bom, que isso iria me ajudar, me curar. Fiquei apenas 6 meses. Fiz questão de sair. Não era pra mim. Passei por sessões de exorcismos para me livrar dos espíritos malignos que estavam me amaldiçoando. Até que eu cansei. Quando fiz 20 anos sai de Mirassol D'Oeste em Mato Grosso, onde nasci, e fui morar em Cárceres.

D: Sua família te aceitou com o tempo, após sair do seminário?

L: Minha mãe chorou muito. Mas sabia que não era meu lugar. Que eu estava contra minha vontade. Com o tempo fomos aparando as arestas que havia entre nós. Ela passou a compreender mais a minha sexualidade. Hoje é minha maior apoiadora e amiga. Já meu pai respeita, mais não aceita. Ele mora longe. Então quase não o vejo, apenas por telefone mesmo. Ele é machista e homofóbico, brigamos muito no passado por isso.  

D: Sua mãe e seu pai trabalham do quê?

L: Meu pai na fazenda de minha avó. E minha mãe é funcionária pública.

D: Como você perdeu a virgindade? Com quantos anos?

L: Eu tinha 14 anos, foi aquela coisa escondida. Ficamos em um terreno que tinha uma construção. Foi muito bom, ele tinha 14 anos também.

D: Há três anos você foi diagnosticado com hiv, como descobriu?

L: Isso. Vai fazer 3 anos em outubro. Tive que fazer uma cirurgia. E enquanto aguardava alta recebi uma ligação do rapaz que me transmitiu. Depois de um tempo de conversa ele me disse para fazer o teste de aids porque tinha deixado um presente para mim na noite em que ficamos. Pouco depois o médico que me acompanhava veio falar comigo e confirmou a sorologia positiva.

D: Vamos voltar ao dia em que você conheceu esse cara. Onde você o conheceu? Como foi?

L: Pelo face. Ficamos um período conversando. E decidimos sair.

D: Que lugar do face? Alguma comunidade?

L: Não, não. Ele me adicionou.

D: E como ele se aproximou de você? o que conversava? como puxou assunto? como foram as primeiras conversas de vocês?

L: Sinceramente não me lembro como foi exatamente as primeiras conversas.

D: você tem os prints? Algo que possa entrar com uma ação penal contra ele? 

L: Não.

D: Qual nome que ele usou no face?

L: Eduardo.

D: O sobrenome dele você lembra? O número de celular?

L: Não, eu preferi não ter muitas lembranças dele. 

D: Como ele era fisicamente?

L: Magro, da minha altura, excelente aparência. 

D: Lucas, quais as suas lembranças daquela noite?

L: Ele foi até minha casa me buscar. Saímos para jantar e fomos para um motel, ele era muito bom de cama, transamos quase a noite toda. Era o tipo de pessoa que atraia pelo olhar. Fora que era carinhoso, atencioso.

D: Um apessoa fácil de se apaixonar... 

L: Totalmente.

D: Hoje, relembrando aquela noite, você consegue ver que tinha algo de diferente naquela situação, naquele contexto?

L: Sim. Eu percebia que em momento algum ele deixava eu ver as camisinhas. Quando ele gozava ia rápido para o banheiro e jogava no vaso, para que eu não as visse.

D: As camisinhas ele que levou? Não usaram a do motel?
               
L: Não. Somente as dele

D: Ai ele te levou pra casa, você voltou a falar com ele depois daquela noite?

L: Não. Depois daquela noite ele sumiu. Apareceu só depois quando me ligou e falou para eu fazer o exame.

D: Você tentou contato por telefone? Facebook?

L: Sim sim. Mais tudo tinha mudado. O face não existia mais, e o telefone só dava caixa postal.

D: Quanto tempo depois ele entrou em contato?  E como foi esse contato?

L: Três meses depois que saímos. Foi da forma mais cinica possível, perguntou como eu estava, o que estava fazendo. Mesmo ele tendo sumido e não ligado mais, eu o tratei bem, pois sou o tipo de pessoa que não se desfaz de ninguém. Mas não foi um contato muito longo, após eu dizer que estava bem ele ele disse pra eu fazer fazer o exame de AIDS, porque ele tinha deixado um presente para mim.

D: Caramba Lucas, que filho da puta, e o que você disse?

L: Não consegui dizer nada. Ele desligou em seguida.

D: E como foram os momentos após a ligação?

L: De início eu não acreditei. Somente depois que o médico confirmou que a ficha caiu. Entrei em prantos

D: Ao receber a notícia qual foi sua reação? Pra quem contou primeiro? Fala um pouco dos primeiros dias.

L: Ahhhhh eu só sabia chorar depois da notícia. Não tinha psicológico para nada. Me sentia um lixo, um sujo. Alguém que não merecia estar vivo.

D: E seu sentimento em relação ao Eduardo, tentou procurá-lo? Processá-lo?

L: Nos primeiros meses foi de ódio. Tentei, mais ele tinha ido embora do estado. Só usava telefone restrito para me ligar. Facebook apagou. Com o tempo passei a a olhar diferente. E passei a ter compaixão dele.

D: Qual foi a primeira pessoa que você contou? Como foi? 

L: Minha mãe. Ela ficou bem decepcionada, chorou muito. Ela estava na minha casa quando cheguei do hospital. 

D: Você disse que ao descobrir se sentiu sujo... A partir de quanto tempo você começou a se olhar com outros olhos?

L: Quando eu participei em Recife de um encontro para adolescentes e jovens vivendo com HIV AIDS.

D: Após descobrir que era soropositivo como foi a primeira pessoa que você se envolveu?

L: Demorei quase 1 ano para me envolver com alguém. Tinha muito medo. Não medo. Era falta de confiança. Foi com um rapaz da minha cidade natal. Começamos a namorar. Demorei um pouco para revelar minha sorologia. Foi um tanto complicada. Eu ainda não tinha a visão que tenho hoje. Estava travado, inseguro, com medo. Não sabia o que podia o que não podia, mas foi uma excelente experiência de auto conhecimento

D: E quando você revelou qual foi a reação dele?

L: Me apoiou. Disse que não ia terminar comigo apenas por este motivo. Por fim, ficamos 3 meses juntos e nos separamos por outros motivos. 

D: Como você venceu essa insegurança?

L: Buscando conhecer pessoas que já viviam a mais tempo que eu com HIV e conversando. Descobrindo o universo por trás da diagnóstico.

D: você disse que começou a se amar e se valorizar a partir dos encontros da SAE, que são os Serviços de Atendimento Especializado, por quê?

L: Me deu uma nova perspectiva. Um novo olhar sobre minha sorologia, pude ver que eu tenho a vida toda para viver. Que minha vida é importante e que eu poderia fazer a diferença na vida daqueles que não tem apoio.

D: Atualmente você namora?

L: Temos 1 ano e 3 meses de casados, ele era dá minha cidade, com o tempo a gente se aproximou bastante e ele me pediu em namoro. Tempo depois me mudei para a cidade que ele mora a trabalho que é Recife.

D: Lucas não precisa entrar em detalhes, mas para eu que sou leigo e os leitores que também são leigos, como é a vida sexual de uma pessoa soro positiva e soro negativa, não sei se é assim que se fala.

L: Sorodiferente. É muito tranquila. Fazemos tudo o que qualquer casal faz. Apenas tomando cuidados com a proteção.

D: Como é seu tratamento? Quais os efeitos colaterais?

L: Tomo um comprimido por dia. No primeiro mês foi bem complicado porque dava muito sono, depois meu organismo se adaptou a medicação

D: Você acredita que a cura da aids está próxima?

L: Sim. Acredito sim. Os avanços nesse campo de pesquisa farmacêutica está muito grande.
Há uma verdadeira força tarefa em diversos campos para que a cura seja descoberta o mais rápido possível.

D: Quem é o Lucas antes e depois dessa experiência?

L: Sinceramente o Lucas antes do HIV era alguém que não se preocupava com a saúde, que não ligava para a vida dos outros, era egoísta, cheio de si. Mas era uma boa pessoa. O Lucas depois do HIV, é aquele que cuida da saúde e faz questão de que aqueles que estão perto dele também faça. Tem todo o cuidado com a vida. É atencioso, não despreza ninguém, pois sabe que todos são importantes e iguais. É aquele que tenta ajudar ao máximo os que precisam. E não mede esforços para levar informação aos que não a tem.

D: Você já sofreu preconceito?

L: Talvez o preconceito velado. Preconceito descarado não.

D: Eu particularmente já fui irresponsável e sai várias vezes sem camisinha com homem e mulher, pretendo não fazer mais isso. Você já transou com alguém sem camisinha?

L: Sim. Algumas vezes antes dá sorologia.

D: Que dica você dá pra quem transa sem camisinha?

L: Cuidem de seus corpos, eles são preciosos. Não existe apenas HIV no mundo, existe inúmeras DSTs. Pense, será que compensa arriscar tanto por uma transa? Tento auxiliar ao máximo aqueles que estão passando por alguma dificuldade, dúvida. Tento levar informações para o as pessoas. Para que elas possam ter a chance de se proteger.

D: Você faz parte de uma Rede sobre esse tema né?

L: Rede Nacional de Adolescentes e Jovens Vivendo com HIV AIDS. É uma rede voltada para o acolhimento e fortalecimento do adolescente, é do jovem que vive com hiv. Estamos sempre buscando informações para que eles tenham mais e mais conhecimento e crescimento.

D: O que você falaria pra o Eduardo se o visse hoje cara a cara.

L: Daria um abraço e diria que eu o perdoo. Que não tenho mágoas dele. E que desejo que ele tenha encontrado paz, luz e muita compreensão na vida dele.

D: Lucas muito obrigado pelo bate papo, curti muito. Bora pra um bate bola rápido? Vou dar uma de Marília Gabriela agora (risos).

D: Ah, antes de finalizarmos, uma pergunta de cunho pessoal, algo que me aflige, existe amor eterno entre duas pessoas? Dois homens poderiam se amar pra sempre?
L: O amor é eterno enquanto dura. A eternidade pode ser diferente para cada pessoa.
D: Brigado meu irmão, bora pro bate bola:

Saudade: Família
Estação do Ano: Inverno
Um Cantor: Sia
Religião: Agnóstico
Sonho: Um mundo livre de preconceitos
Frase: Somos eternos aprendizes na dança cósmica do universo
Medo: Solidão
Seriado: uma série do YouTube chamada Positivos. Do Projeto Cais
Lucas X Lucas: Incansável, louco e confiável 
Uma Poesia: 
Se o seu lado esquerdo não puder falar para seu lado direito o que você vai fazer, então não faça.
Se eu não puder contar para as pessoas o que eu vou fazer, se aquilo vai denegrir alguém, machucar, não faça. 
É melhor perder uma oportunidade do que perder a capacidade de se amar. É uma citação minha.

Lucas muito obrigado, forte abraço, Deus te ilumine. 

contato do Lucas:  lucaslu.patrick@gmail.com




9 comentários:

  1. amei a entrevista, muito melhor do que feita por jornalistas que não tem coragem de perguntar tudo, não ficou faltando pergunta alguma. Parabéns ao Lucas por não se entregar e dividir com a gente essa garra de não se entregar, vou te adicionar no facebook posso Lucas?

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  2. To chocado com td isso...

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  3. Triste ter essa atitude nos dias de hoje..Infectar alguém por prazer,arrogância ou pela simples e impiedosa indiferença..Parabéns pela comovente e incisiva entrevista.Muitos vivas e minha completa reverência,respeito,carinho por você Lucas, pelo fato de dar o perdão ao seu algoz..
    Notável,e se todos fizessem 1% da sua atitude o planeta seria um oásis.
    Te condenaram e em vez de querem a morte de seu algoz você preferiu o PERDÃO.
    Muito obrigado Lucas pelos sensíveis e sinceros ensinamentos..

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    1. André meu querido. Tenho certeza que o mundo ainda irá aprender muito com aqueles que desejam pouco. Apesar de estar lutando e falando sobre, meu desejo não é fama, é apenas um mundo melhor para o futuro...

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  4. Entrevista forte e sensível. Vc tem jeito pra coisa Danilo, deveria criar um canal no youtube com entrevistas

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